Os milagres e a avareza: um espírito apegado a sua riqueza

Revista Espírita edição de outubro de 1859

Por: Alessandro Viana Vieira de Paula

O nobre Codificador, no jornal de outubro de 1859, apresentou os seguintes artigos: os milagres, o magnetismo reconhecido pelo Poder Judiciário, médiuns inertes, boletim (da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas), Sociedade Espírita no século XVIII, palestras familiares de além-túmulo (o pai Crépin), Sra. E. de Girardin (médium) e as mesas volantes.

Dos oito artigos que compõem a Revista Espírita de outubro de 1859, gostaria de destacar dois deles, a saber:

No artigo “os milagres”, Kardec faz uma reflexão a partir de um texto publicado pelo Sr. Mathieu, antigo farmacêutico do Exército, no qual descreve diversos fatos de escrita direta que testemunhou.

O nobre Codificador diz que ambos são homens de ciência que venceram a incredulidade, porque contra fatos não há argumentos, de forma que o fenômeno da escrita direta demonstra, sem sombras de dúvida, a intervenção dos Espíritos sobre o mundo material.

Kardec discordou apenas do título dado ao artigo pelo Sr. Mathieu, qual seja, “Um Milagre”, haja vista que a palavra “milagre” afastou-se do seu sentido originário, que seria coisa admirável de ver, fato extraordinário, passando a ser considerado um ato do poder divino contrariando às leis comuns da Natureza.

No caso em questão (fenômeno da escrita direta), por mais admirável que seja, está dentro de leis naturais que eram desconhecidas, como a ação dos Espíritos sobre o mundo corpóreo e a existência de fluidos espirituais em diversos graus, desde o mais etéreo ao mais grosseiro, que permitem a produção de diversos fenômenos espirituais.

Ademais, diz Kardec que quando um fato se repete em diversas circunstâncias e por diversas pessoas, deixa de ser insólito e isolado, o que seria uma das premissas do milagre divino.

Foi a ignorância dessas leis divinas que gerou a superstição, mas conhecidas essas leis que o Espiritismo nos ensinou, os fenômenos tidos como milagres feitos por Deus passam a ser “coisas naturais”.

Muitas pessoas foram mortas na idade média (chamadas de feiticeiros ou bruxos) ou rotuladas de loucas mais recentemente, porque eram médiuns e produziam fenômenos espirituais incompreendidos por quase todos.

Dessa forma, o Espiritismo nos ensinou de forma lógica como se deram muitos fatos miraculosos do passado. Kardec cita a levitação de São Cupertino (suspensão etérea de corpos sólidos – Sr. Home, notável médium de efeitos físicos, produziu esse tipo de fenômeno em diversas ocasiões), e a aparição de Maria para duas crianças, em 1846, na montanha de Salette (fenômeno de aparição espiritual explicado pela doutrina espírita).

É claro que continuam sendo fatos belos, admiráveis, mas que ocorreram dentro de leis naturais, e tal circunstância em nada diminui a grandeza e a perfeição absoluta de Deus, que, aliás, criou essas leis perfeitas e justas.

Nesse sentido, como diz Kardec: “Nosso objetivo também não é examinar se Deus pode derrogar as suas leis fazendo milagres, no verdadeiro sentido do vocábulo. Isto é uma questão de teologia, que não entra em nossas cogitações[…]dizemos que os fatos produzidos pelo Espiritismo nos revelam leis novas e dão a chave de uma porção de coisas que pareciam sobrenaturais”.

O artigo em foco é um marco, uma vez que é o primeiro texto da Revista Espírita que Kardec se aprofunda sobre o assunto “os milagres”. Oportunamente, ele escreveu diversos textos notáveis sobre esse tópico importante do Espiritismo, que culminou na obra “A Gênese”, mais especificamente na 2ª parte (os milagres segundo o Espiritismo), merecendo destaque o capítulo XIII, denominado “Caracteres dos Milagres”, cujo estudo é vital para entendermos de forma mais ampla as questões dos “milagres”.     

No artigo “palestras familiares de além-túmulo”, Kardec transcreve um diálogo que teve com um Espírito evocado, que havia sido rico, avarento e viveu em Lyon, onde era conhecido pela alcunha de Pai Crépin.

Ele foi tão avarento que tinha nove casas, mas nos últimos tempos de sua vida foi morar com um casal, que tinha assumido a obrigação de alimentá-lo mediante o pagamento de trinta cêntimos por dia (quantia ínfima). Consta, ainda, que ao receber os aluguéis, ele arrancava os cartazes das ruas e os utilizava para dar os recibos.

Por esse estilo de vida, naturalmente que estava infeliz no mundo espiritual (havia desencarnado recentemente), tanto que sentia saudade de sua riqueza e lamentava por não poder tocar, contar e guardar o seu ouro.

Disse que estava preso à Terra e não conseguia se arrepender do seu jeito de ser, embora tenha reconhecido a sua miséria moral, bem como ficava visitando as suas casas e os seus tesouros, descrevendo que, em vida, experimentava a volúpia de tocá-los.

Esse relato espiritual nos remete à questão da avareza e das ambições doentias nessa área, haja vista que, na atualidade, encontramos muitas pessoas que se preocupam apenas em amontoar os tesouros materiais, sentindo a mesma volúpia do Pai Crépin ao checarem os seus extratos bancários e a sua relação de bens.

Quantos sentem esse prazer intenso de, mês a mês, verem seu patrimônio financeiro aumentando, sem qualquer preocupação com o progresso moral e com a própria espiritualização.

Certamente experimentarão o mesmo sofrimento moral do Pai Crépin, anelando por uma nova reencarnação para começarem a própria redenção espiritual.

É importante refletir desde já sobre os apegos materiais, as avarezas, as ambições doentias etc., para que se possa fazer uma mudança de prioridades na própria vida, agora, procurando adicionar metas espirituais e morais, até porque, Jesus nos ensinou que deveremos buscar primeiro o Reino dos Céus e sua Justiça (Mateus 6:33).

Não olvidemos o verdadeiro sentido da vida!

Eis a síntese da Revista Espírita de outubro de 1859.   

Você pode lê-la na íntegra em https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1859.pdf

Imagem de capa: Dan Dennis @cameramandan83

Fonte: Vozes Espíritas

Alessandro Viana Vieira de Paula

Palestrante espírita e articulista da revista “Reformador” da Federação Espírita Brasileira e do jornal Mundo Espírita da Federação Espírita do Paraná. Faz parte da diretoria executiva do Centro Espírita Allan Kardec de Itapetininga-SP e da Abrame (Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas).Ant

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